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Associação acusa Câmara de Ponte da Barca de “publicidade enganosa” sobre Pai Velho

A Associação Amigos do Lindoso, em Ponte da Barca, acusou hoje a Câmara de “publicidade enganosa” ao anunciar na agenda cultural o Entrudo do Pai Velho, entretanto cancelado, sem ouvir quem organiza a tradição.

“Ninguém nos perguntou se íamos ou não fazer o Pai Velho. Simplesmente colocaram o evento na agenda cultural para 2022. Agora tiveram de o cancelar. A Câmara é que andou a fazer publicidade enganosa e agora teve de desfazer esse erro”, afirmou hoje à agência Lusa a presidente da associação, Célia Fernandes, referindo-se ao cancelamento do evento.

Segundo a responsável, a autarquia “nunca” consultou a coletividade para confirmar a realização, este ano, daquela tradição da aldeia do Lindoso, no concelho de Ponte da Barca, no distrito de Viana do Castelo.

Sem atividade até janeiro devido à pandemia de covid-19, a presidente da associação adiantou não ter enviado à autarquia o plano de atividades para 2022, nem ter pedido a instalação de uma carpa, como habitualmente, para abrigar os visitantes, em caso de chuva, uma vez que a população da aldeia decidiu que este não ano não havia condições para a sua realização.

“Isto é uma festividade dos populares do lugar do Castelo, Lindoso. A Câmara gosta muito de se exibir, mas não se pode exibir com uma coisa que é do povo”, apontou.

A Lusa consultou hoje a agenda cultural, publicada pelo município na sua página oficial na Internet no 27 de janeiro, na qual é divulgada aquela tradição, prevista para decorrer entre 27 de fevereiro a 01 de março.

“Quando começaram a colocar editais em Ponte da Barca a anunciar o Pai Velho fui avisada e liguei à Câmara a perguntar quem é que o ia fazer, porque nós, aqui, não sabíamos de nada”, explicou Célia Fernandes.

Na terça-feira, na página oficial da autarquia no Facebook, tal como a Lusa constatou, o mesmo cartaz que antes anunciava a tradição informa agora do seu cancelamento, mas sem especificar as razões.

“Andaram a fazer publicidade enganosa e depois as pessoas chegam aqui e acham que não é a Câmara que está a fazer asneiras. Somos nós que estamos a fazer asneiras”, atirou Célia Fernandes.

Contactado pela Lusa, o presidente da Câmara, Augusto Marinho, lamentou o “lapso” dos serviços, mas garantiu que o município “não agiu de má-fé”.

Na freguesia de Lindoso, lugar de Castelo, em pleno coração do Parque Nacional da Peneda Gerês (PNPG), a festa do Entrudo dá pelo nome de “Enterro do Pai Velho” e é organizado pela associação Amigos do Lindoso.

“A associação promove o Pai Velho, mas o Pai Velho não é nosso. É das pessoas do Lindoso. Por causa da pandemia de covid-19, este ano ainda não quiseram fazer o Entrudo. A população é que manda”, apontou.

A tradição, única no país, assinala o início do ano agrícola nas povoações da serra. Trata-se de um cerimonial ancestral que representa a despedida do inverno e dá as boas-vindas à primavera.

“Temos gente idosa que trabalha connosco e que está doente e não vamos pôr essas pessoas em risco. Fazem-nos muita falta porque sem elas não fazemos isto [Pai Velho]”, explicou Célia Fernandes.

A presidente da associação lembrou também que só na semana passada é que o Governo anunciou o alívio das medidas de prevenção da covid-19.

“Não é em meia dúzia de dias que se coloca este Entrudo a andar. Leva muito tempo, porque é tudo feito à mão. Várias pessoas têm-me ligado a perguntar quem cancelou o Pai Velho e a resposta que dou é a mesma: quem colocou os cartazes e teve que anunciar o cancelamento. Nós aqui não sabíamos de nada. Estávamos sossegadinhos”, frisou.

Já o autarca social-democrata explicou que aquela manifestação popular é das “mais marcantes e genuínas” do concelho e lamentou o “lapso dos serviços ao colocarem a realização na agenda cultural, sem indicação da associação”.

“Não o deviam ter feito. Mas não se deve empolar a situação, dizendo que houve publicidade enganosa. O que queremos é trabalhar de forma concertada, sempre de mão dada com as associações, que têm um papel fundamental, e que apoiamos e apoiaremos”, sublinhou Augusto Marinho.

O autarca disse que o “lapso” ficou a dever-se “à reativação da agenda cultural”, desvalorizando a sua importância face às “inúmeras iniciativas das associações, das freguesias e que o próprio município promove ao longo do ano”.

“É de lamentar, mas foi prontamente clarificado e não me parece que haja nenhum drama”, referiu, acrescentando que o Pai Velho é “uma componente cultural marcante do concelho”, que, em 2020, levou a Câmara de Ponte da Barca a contratar a realização de um estudo para a investigação e inventariação daquela tradição com vista à sua classificação como Património Cultural Imaterial.

De acordo com o procedimento contratual de ajuste direto, publicado no Base – portal da contratação pública –, a investigação e inventariação do Pai Velho, com o prazo de 18 meses, visa a sua inscrição no inventário nacional do Património Cultural Imaterial.